Sunday, June 01, 2014

Metáforas de fé


"As Aventuras de Pi"




Fabíola Tarapanoff

A fé só revela sua força em meio à tempestade. Nada mais verdadeiro e profundo e que se mostra de forma literal nessa bela viagem visual do diretor Ang Lee: "As aventuras de Pi".

Mostra a história de Pi Patel (Suraj Sharma), filho do dono de um zoológico em Pondcherry, antiga colônia francesa na Índia. Para evitar a falência devido à retirada de verba da prefeitura, seu pai resolve abandonar o país e ir para o Canadá em um navio cargueiro com toda a família e os animais. O navio naufraga em uma tormenta e Pi se vê em um mesmo barco com uma zebra, uma hiena, um orangotango e um tigre, Richard Parker. Em meio a todo tipo de adversidade, ele aprende a sobreviver e a se tornar um homem. O filme traz metáforas inteligentes e aborda de maneira profunda temas ligados à Religião ("A fé só é testada no momento mais adverso") e à Filosofia (sobre o despertar do lado selvagem do homem e de sua necessidade para sobreviver em um mundo de conflitos). Sempre com pitadas de humor, o versátil diretor Ang Lee (responsável por obras como "O segredo de Brokeback Mountain" e "O Tigre e o Dragão") novamente se supera, em um filme que nos faz refletir sobre a vida e o seu significado.

Ficha técnica:


"As Aventuras de Pi" ("The Life of Pi", EUA, 2012)
Direção: Ang Lee
Elenco: Suraj Sharma, Irrfan Khan, Adil Hussain e Gérard Depardieu.

Saturday, May 31, 2014

"Lavoura Arcaica"




Fabíola Tarapanoff

Poesia táctil para os olhos. Um excesso de claridade que quase cega. Palavras que nos arranham a pele e chegam à alma. Obra que nos surpreende, nos faz refletir, nos impregna pelos poros. "Lavoura Arcaica" não é uma obra fácil, mas é carregada de uma intuição, de uma força raramente vista no cinema. Traz a paixão viva da pena de Raduan Nassar, que semeia seu texto como o homem que põe sementes em sua terra.

Ele ara com força sua mensagem e pega desprevenido aqueles acostumados com filmes mais digeríveis. Ele nos remete à mais tenra infância, nos faz recordar de como era bom sentir os cheiros, os olfatos, os gostos. De quando não havia obrigação de horários e de compromissos e que o mero despertar era uma forma de se abrir e de se conectar ao divino.

Tudo inicia com um homem trêmulo que escuta baterem à sua porta. André (Selton Mello) abre e recebe seu irmão Pedro (Leonardo Vieira) que viera buscá-lo. André saíra de casa e Pedro, como o bom primogênito, foi levá-lo de volta à casa, dizendo que nada é mais como antes sem sua presença. Em flashbacks entendemos o motivo de sua partida: André se tortura, se culpa pela desunião da família. Por um amor inexplicável, fervoroso, quase um delírio que o perturba, uma fome insaciável: Ana (Simone Spoladore), sua irmã.

Na conversa dos irmãos entremeadas por goles de vinhos, entendemos a lógica e a estrutura da família árabe, seus costumes, sua fé, sua tradição tão forte e enraizada no solo como uma boa árvore centenária. Com regras para como sentar à mesa, o que fazer para manter a mente e o corpo puros. O afeto excessivo da mãe, o rigor e os sermões intermináveis do pai. Entendemos que uma família tão unida e isolada em si mesmo, pode ser unida, mas o excesso de união e falta de contato com o mundo exterior acaba propiciando o início de um amor proibido. De um amor que aflige um menino chamado de "santinho" pelas prostitutas. Um menino que via o divino na luz que entrava em seu quarto a todo dia, que gastava as horas vagas pastoreando, brincando na palha e que gostava de enterrar seus pés no solo e sentir a umidade da terra. Que sonhava em se integrar com essa mesma terra, se cobrindo todas de folha.

Mesmo contando ao irmão a impossibilidade de voltar devido ao amor à irmã, acaba retornando. E esse retorno é marcado por um reencontro com o pai, que recebe de braços abertos o "filho pródigo" e dá uma festa para recebê-lo. Retorno, porém, que traz a superfície medos e desejos escondidos que vêm à superfície trazendo consequencias imprevisíveis.

Com direção impecável de Luiz Fernando Carvalho e atuações brilhantes com destaque para o saudoso Raul Cortez e para Selton Mello, em uma das melhores atuações de sua carreira, como o febril André, "Lavoura Arcaica" é um retorno às origens de um bom cinema e mostra que mesmo que tentemos esquecer do passado e das origens, a família são como raízes que nutrem (apesar de muitas vezes serem imperfeitas e corroídas) e nos mantém com os pés firmes no solo.